Papê! Papelaria

     Helge ainda não tinha entendido direito o que fazia ali, vivera a vida toda nas montanhas geladas de algum país do hemisfério norte que ele não fazia a mínima ideia qual seria, agora tinha passado vários dias em uma gaiola em um navio e estava ali naquele deserto de neve onde não se ouvia nenhum som que não fosse de seus amigos cães e dos homens que descarregam uma pilha de mantimentos e apetrechos.

     Não conhecia aquele pessoal com exceção do seu treinador, sabia que seu nome era Roald porque ouvia lhe chamarem assim. Seu único amigo cão era outro husky chamado Mylius, embora tivesse mais de cinquenta cães junto com ele, ele não se interessava pelos demais.

     As vozes foram ficando mais altas, o que significava que os homens se aproximavam. Ouviu alguns deles ralhando com outros cães e em seguida afivelaram algumas correias nele e o colocaram em uma fila com outros cães. Ele já tinha feito aquilo antes, atrás tinha um trenó que eles tinham que puxar e apesar de ser cansativo, até que era divertido.  

     Logo ouviu uma voz dando ordem para se mover, então ele começou a andar. Andaram por muito tempo, então pararam, descarregaram um pouco da carga, colocaram uma bandeira preta em cima, andaram mais, pararam para comer, voltaram a andar, descarregaram de novo, andaram mais um pouco e aí pararam para dormir. Essa rotina se seguiu pelos dias seguintes. Andar, parar, descarregar, comer, descansar. Não demorou para as coisas ficarem extremamente monótonas e entediantes. Só se ouvia a conversa dos homens e o latido dos cães. Ali não haviam animais; apenas gelo, montanhas e tempestade de neve.

     Qual seria o sentido daquela viagem? No começo pensou que se tratava de que corrida, mas a essa altura não parecia mais ser. Um dia ouviu ser treinador dizer que tinham que acelerar por que precisavam chegar antes do Scott, mas não fazia ideia de quem seria e de quê se tratava aquela empreita. Via que eles regularmente discutiam e consultavam um sextante e faziam marcações em um mapa.

     Depois de várias semanas andando na neve, ouviu um dia os homens gritando enquanto se abraçavam e pareciam muito agitados. Era como se tivessem encontrado algo de muito valor, mas não viu ninguém carregando nada, em vez disso, Roald apenas se limitou a fincar na neve uma bandeira vermelha com uma cruz azul para em seguida começarem a voltar. Helge já tinha visto aquela bandeira antes, tinha várias daquela nas janelas das casas do lugar de onde viera e parecia significar algo muito importante para os homens.

     Enquanto voltava, finalmente entendeu porque os homens tinham deixado aquelas bandeiras pretas fincadas. Qualquer coisa que não fosse branca daria para ver a quilômetros de distância. Quando chegavam nessas bandeiras, tinha comida e suprimentos guardados.

     Depois de alguns dias monótonos de caminhada, Helges e deu conta que a quantidade de cães parecia ter diminuído bastante, mas não se importou com isso. Estava mais preocupado com a noite que nunca chegava. O sol ficava perto do horizonte o tempo todo e já fazia semanas que não escurecia naquele lugar.

     Numa dessas noites com o sol no céu, Mylius lhe chamou para conhecer o outro lado da montanha. Ele estava exausto, mas foi. Enquanto subiam, percebeu que o outro mancava também. Chegaram no topo com a língua para fora, deitaram na neve e ficaram olhando lá embaixo até que algo lhes chamou a atenção. Tinha uma luz amarela no meio da descida e uma fumacinha que saia de lá. Eles foram andando desconfiados em direção a luz e quando chegaram perto viram que era uma lanterna que pendia sobre uma porta entreaberta. Foram cheirando tudo e entrando desconfiados. Era tudo muito incrível, era uma cidade no meio da montanha. Lá dentro era quentinho, tinha grama e vários outros cães correndo, comendo petiscos e mordiscando ossinhos. Eles até se esqueceram que estavam cansados e foram brincar, e no meio da correria encontraram os outros cães que tinham começado a viagem com eles mas tinham sumido.

     Quando resolveu se deitar para dormir, Helge sentiu que já tinha cumprido seu dever e não precisava mais voltar a puxar o trenó, Mylius estava com ele e decidiram que iriam ficar ali com seus amigos naquele lugar secreto e maravilhoso.

     Na manhã seguinte, Roald acordou, preparou seu café, escreveu algumas linhas em seu diário, então gritou para os outros homens:

     – Nos restaram onze cães apenas rapazes. Nada mal, se aprontem, partimos para casa em cinco dias.

     Em seguida rasgou um pedaço de pano em dois, amarrou cada um em uma haste e os fincou na neve. A nevasca se intensificava e ele logo se levantou para partir. Aquele lugar insólito permaneceria intocado por vários anos e ainda hoje se encontra da mesma forma, mas algumas expedições que se aventuraram por lá, relataram ter vistos algo que se assemelhava a um lobo no cume de algumas montanhas.

     Talvez seja Helge os espiando, talvez sejam suas lembranças, talvez não seja.

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2 respostas

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