Papê! Papelaria

Alex sempre teve aquele jeito esquisitão, não era de falar muito, e só se abria com quem realmente tinha intimidade. Às vezes as outras tintas o viam murmurando sozinho, mas não conseguiam ouvir sobre o quê. Naquela tarde chovia muito e o ateliê estava vazio, bem diferente dos outros dias onde os alunos se divertiam aprendendo a criar itens artísticos. A tinta vermelha tentou puxar assunto:

– Ei, tinta azul, olha aquelas gotas caindo na janela, já brincou de apostar qual gota cai primeiro?

– Não me chamo tinta azul, meu nome está no meu rótulo. – Respondeu ele irritado.

– Me desculpe, eu não quis ofender, Alex, é que todos aqui nos chamamos pelas nossas cores.

– Eu não gosto, e obrigado pelo convite, mas estou bem aqui no meu canto.

– Por que você nunca brinca com a gente? Todos aqui estão sempre animados e você sempre jururu.

– Não gosto de brincar. – Ele respondeu.

A tinta vermelha ainda insistiu:

– Eu sei como você se sente, eu também mal posso esperar a hora em que aquelas crianças vão abrir nosso lacre para nos utilizar, mas podemos aproveitar um pouco até lá, não acha?

Alex abaixou a cabeça, olhou pra baixo e disse baixinho quase que falando sozinho:

– A verdade é que estou cansado de ser azul, toda vez que me olho fico triste, quando pintam alguma tela eu fico olhando depois e a minha cor é a menos bonita de todas, eu queria ser chamativo como o laranja, forte como você que é vermelho, alegre como o verde, diferente como a rosa, linda como a roxo… Mas sou apenas esse pálido azul. – Disse por fim.

– Quem te disse que você é pálido? – Tinta vermelha disse surpresa – Você é uma das cores mais nobres, é a cor do céu, do mar… Sabe, eu gosto de ser vermelha, mas confesso que gostaria também de ser marrom, verde, amarela, mas não me importo porque sei que um dia ainda vou ser.

– Como assim?Ainda vai ser?

– Quando eu me unir a outra cor, oras.

–Não entendi, que história é essa?

– Bem, eu vi o professor ensinando outro dia e fiquei prestando atenção. Ele junta algumas cores e elas se transformam em outras.

– Sério que isso é possível? – Disse Alex sem conseguir esconder sua admiração.

– A tinta amarela que tinha acabado de acordar e ouviu um pedaço da conversa disse enquanto bocejava:

– É possível sim, eu também vi ele fazendo isso, é muito legal!

Alex mudou completamente a partir daquele dia, passou a brincar, conversar e rir com os amigos e nem viram os dias passarem. Um belo dia o ateliê estava lotado, muita conversa e algazarra, quando o professor pediu a atenção de todos. Ficou aquele silêncio. Ele então caminhou na direção das tintas e pegou a vermelha, a azul e a amarela. A tinta vermelha piscou para Alex que tentava disfarçar sua empolgação. O professor então abriu as três tintas e colocou-as separadamente na paleta.

– Prestem atenção,garotada –disse o professor – Nós também somos como essas tintas aqui, cada um tem o seu valor e a sua importância, mas podemos fazer muito mais do que imaginamos. Se utilizarmos essas três cores apenas, nosso quadro fica muito simples, mas veja o que acontece quando ascombinamos.

Enquanto falava, ele foi misturando a vermelha com a azul que logo ficou roxa, combinou azul com amarela e a cor verde apareceu, a vermelha e amarela juntas formaram a cor laranja. Assim ele foi fazendo até criar vários outros tons de cores. As crianças estavam pasmas.

– Isso nos serve como exemplo – continuou ele – Às vezes somos muito bons em algumas coisas, mas não tão bons em outras, mas ficamos completos quando nos unimos, essas cores só conseguiram se transformar em outras porque se juntaram, olha como podemos deixar nosso mundo mais colorido e lindo com essas cores! Quando colaboramos uns com os outros, podemos fazer qualquer coisa.Ninguém vai muito longe sozinho.

Alex estava muito animado com o que tinha acontecido e ficou ainda mais quando sentiu as cerdas delicadas do pincel lhe carregando até a tela. Finalmente tinha realizado seu maior desejo, e ainda tinha aprendido uma valiosa lição. Olhou o reflexo do vidro da porta e viu o lindo quadro que estava sendo pintado, todo colorido e com ele fazendo parte disso tudo. Sentiu um orgulho enorme do que tinha se tornado e muito feliz em saber que agora viveria ali, sendo admirado e deixando o mundo um pouquinho mais bonito.

Dê play para ouvir esse conto ▶