Papê! Papelaria

Dafne checou novamente seu computador de íris para ver quanto tempo demoraria para aterrissar. Pela janela do módulo espacial podia ver algumas das milhares de estações suspensas em órbita da terra. Fazia tempo desde a última vez que pisara no planeta.Vivia acompanhando seu pai, que trabalhava fazendo manutenção nas estações, por isso, ela poucas vezes tinha descido. Mas ela era fascinada pelo planeta, aquela esfera azul que ela via todos os dias lá de cima, e tinha ótimas recordações de outras vezes que tinha visitado.

O relógio do módulo marcava as horas em sistema binário, assim como o dia, mês e ano, mas tinha um conversor pequeno embaixo onde podia ler: “Calendário Gregoriano: 16 horas de sexta-feira, do mês de março de 2523”. Não se utilizava mais calendário com base no sol e nas fases da lua há muito tempo.Eles tinham sido trocados por modelos matemáticos exatos de base dois, mas sempre tinha um conversor para orientação.

Ouviu o som dos foguetes de pouso acionados e em pouco tempo estava pisando em terra firme. Como era bom sentir aquele ar fresco enchendo os pulmões, experimentar o peso da gravidade novamente, tinha algo de mágico naquilo, algo que ela não conseguia explicar. Foi entrando no hotel já pensando em tomar um banho e descansar, no dia seguinte iria visitar alguns monumentos antigos com seu pai. Seguiu o robô mordomo até seu quarto e ficou estupefata quando abriu a porta. Estava acostumada com estruturas metálicas, plásticos e fibras, e ali tinha um quarto comum de alvenaria. Seu pai havia escolhido aquela acomodação especificamente porque era uma antiga casa que fora transformada em hotel.

Aquele dia não tinha muitos hóspedes, e os trabalhadores eram todos Robôs com inteligência artificial e computadores;seu pai lhe dissera que até alguns anos atrás ainda haviam pessoas que trabalhavam ali. Tomou um banho e se deitou, rapidamente pegou no sono. No meio da noite, porém, acordou com o barulho de seu anel caindo no chão, mas estava muito cansada para se levantar e voltou a dormir.

Acordou na manhã seguinte se sentindo revigorada e foi procurar seu anel, pois usava ele para interagir com seus outros wereables. Logo achou ele no canto da parede, que tinha um tijolo na última fileira com uma coloração ligeiramente diferente. Isso chamou a atenção dela que bateu com o nó dos dedos nele e nos demais e viu que tinham sons diferentes. Acionou então seu gadget de raio X em sua íris e logo viu que aquele tijolo estava sobreposto sem argamassa e que possivelmente em alguma reforma tinham passado uma camada de massa acrílica por cima. Conseguiu ver também com os sensores, que tinha um pequeno espaço depois do tijolo, e havia algo lá, mas não dava para saber o que era. Ela não se conteve e removeu a massa da parede até soltar o tijolo; atrás realmente tinha um pequeno espaço com algumas folhas de papel já se decompondo e uma caixa retangular onde ainda dava para ler “12 lápis de cor”. Assim que pegou puxou para pegar, a caixa se desintegrou e os lápis caíram no chão. Ela nunca tinha visto aquilo antes, então correu para perguntar a seu pai que também ficou surpreso. Uma caixa de lápis de cor! Ele mesmo nunca tinha visto uma na vida também, apenas sabia o que era por ter visto em animações. Lápis tinham se tornado obsoletos há muito tempo; os dispositivos operavam por comando de voz, gesto e pensamento, então não precisavam mais deles. Mas ali estava eles, absortos, contemplando aquela raridade.

Chamaram o robô mordomo e pediram por folhas de papel. Embora fosse raro, às vezes ainda utilizavam papel para imprimir algo. Assim que as folhas chegaram já começaram a pintar. Então era assim que se divertiam antigamente? – Pensou Dafne – Sim, aquilo era muito divertido! A tecnologia tinha tirado essa magia das novas gerações.

Eles se esqueceram do tempo e ficaram desenhando e pintando até serem interrompidos pelo robô trazendo o almoço. Depois saíram para passear como tinham combinado, mas ela não conseguia pensar em outra coisa que não fosse os lápis. Queria só ver o que achariam quando ela voltasse para a estação suspensa e mostrasse para seus amigos; todos iriam querer experimentar. Toda noite em que ficou no planeta ela pintava algum desenho e assim foi criando um mural.

Enfim chegou o dia de voltar. Aquela tinha sido a melhor viagem de todas até então, ela não tinha achado apenas um tesouro, ela tinha encontrado um pedacinho de um mundo antigo onde a vida ainda era vivida em um quadro colorido, onde se coloria esfregando um lápis contra um papel, ao invés de ditando comandos para uma tela. Aquilo lhe fazia sentir algo como uma agradável nostalgia, parecia que uma parte dela tinha vivido naquela época.Quem sabe não tenha mesmo?

 

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