Papê! Papelaria

Liza se esticou toda assim que saiu debaixo da folha larga em que tinha tirado uma soneca, ela adorava aquela sensação de sentir os raios de sol esquentando o sangue em suas veias enquanto se espreguiçava. Ela era uma lagartixa sistemática e todo dia de sol ao acordar de suas sonecas fazia seu ritual que já tinha se tornado um algoritmo: se esticava, depois vasculhava à sua volta para ver se tinha algum perigo ou alguma comida dando sopa, apurava os ouvidos para tentar ouvir algum som diferente do normal, respirava profundamente e tentava adivinhar de que eram os cheiros que sentia. Às vezes olhava para trás para ver se seu rabo ainda estava lá; já tinha perdido ele algumas vezes, mas ele sempre voltava; seu medo era perder e ele não voltar mais.

Lá estava ela fazendo seu ritual, quando ao inspirar sentiu um cheiro de algo verde vivo. Lembrava de ter sentido aquele cheiro antes, quando era bem pequena e estava em companhia de sua mãe que lhe perguntou por que estava lá parada com a língua para fora.

– Estou sentido cheiro de verde, mamãe!

A mãe caiu na gargalhada.

– Cor não tem cheiro, Liza.

– Claro que tem mamãe, você nunca sentiu cheiro de verde? Eu sinto até o gosto.

– E como você sabe que é verde, e não outra cor?

– Por que sei, oras! É um cheiro de verde vivo!

– Vamos procurar então, quem sabe não seja algo que dê para comer.

Que saudade ela sentia de sua mãezinha… Ali concentrada em seus pensamentos nem reparou no barulho perto. Só foi voltar à realidade quando viu uma sombra se mexendo no chão à sua frente. Rapidamente ficou imóvel, torcendo para não ser vista caso fosse um predador. Ouviu então o farfalhar de patinhas roçando na folha acima de sua cabeça, enquanto o cheiro de verde ficava cada vez mais intenso. Moveu apenas seus olhos na direção do som e foi aí que viu duas pontinhas se sacudindo rapidamente para todos os lados. Já se preparava para sair em disparada quando ouviu uma voz rouca e lenta:

– Olá, pode me dar uma informação?

Liza olhou fixamente enquanto tentava definir com quem falava:

– Quem é você? – Perguntou

– Sou Luna, a lagarta.

– Oh, uma lagarta! Você se alimenta de lagartixas?

– Claro que não – disse sorrindo – Sou vegetariana, como apenas folhas.

–Por isso esse cheiro de verde! – Pensou Liza, então disse: – Qual informação que você precisa?

– Estou procurando por uma árvore, aqui tem apenas folhagens.

– Você é cega? Está cheio de árvores à sua volta!

– Sim, eu sou quase cega, consigo ver apenas se está claro ou escuro, sorte que tenho antenas para me orientar.

– Ah, me desculpe, eu não sabia disso.

– Não tem problema, quase ninguém sabe.

– Então, me acompanhe que eu te levo até uma árvore.

Assim começaram a caminhar, logo Liza percebeu que Luna andava muito devagar, mas logo se acostumou com isso. No caminho começaram a falar sobre o que gostavam e como entendiam o mundo. Uma das coisas que ambas gostavam era de cantar, então Luna sugeriu que cantassem algo juntas, mas Liza só conhecia canções de lagartixas e nenhuma sequer tinha ouvido as músicas que a outra gostava. Então decidiram criar uma música juntas. E assim foram compondo:

“Pelos bosques e florestas,

Andaremos ao sabor do vento.

Cantaremos a amizade,

Não me venha com lamento.

Porque o tempo é insensível,

E só as lembranças ficarão.

Então abre esse sorriso,

Que a vida é diversão! ”

Cantarolaram tanto que nem viram o dia passar; quando se deram conta o sol já tinha ido embora. Estavam exaustas, mas ainda tinham assunto para conversar antes de dormir.

– Por que você queria chegar nessa árvore? – Perguntou Liza.

– Preciso escalar ela para acampar lá em cima.

– Mas você nem trouxe barraca…

– Vou construir uma!

– Você já construiu alguma vez?

– Não, mas trouxe um manual para me orientar, não tem erro. – Disse Luna bocejando –Hein, Liza, qual seu maior desejo?

– Hum, eu queria muito voar algum dia sabe? Ver a floresta por cima. Daria qualquer coisa para ter essa sensação algum dia, mas infelizmente não tenho asas. – Disse ela com voz triste.

– Eu também queria – Disse Luna – Mas o que eu mais queria mesmo era apenas poder ver, queria ver a cor do mundo, das flores, do céu…

As duas ficaram em silêncio, cada uma pensando em seus desejos. Estavam caindo de sono, por isso não demorou muito tempo para adormecerem em uma fenda na raiz da árvore.

O sol já estava quente quando Liza acordou. Começou a se esticar para fazer seu ritual diário quando se lembrou que agora tinha uma amiga. Correu os olhos pela fenda procurando, mas não achou nada, saiu correndo para ver se estava lá fora, mas não tinha mais ninguém, nem o cheiro de verde tinha mais. Desesperada ela saiu correndo pelo bosque adentro gritando:

– Lunaaaaaa!

Nem sinal dela.

Liza deixou seu corpo esparramar sobre uma pedra e chorou até não poder mais. Tinha gostado muito de sua nova amiga e agora ela havia sumido. – Deve ter virado comida de algum animal – pensou ela enquanto enxugava as lágrimas. Ainda procurou e chamou pela amiga pelo resto do dia, mas não teve resposta. Enfim, se conformou que nada podia fazer e foi dormir.

Os dias foram se passando, mas Liza todos os dias se lembrava de sua amiga e chamava seu nome alto várias vezes. Uma tarde enquanto observava de longe uma aranha marrom fazer sua teia, ouviu uma voz bem fininha cantando bem longe: –“Pelos bosques e florestas, andaremos ao sabor do vento”.

Ela gelou.

– Será que alguém ouviu nossa música quando cantamos aquela tarde? – Pensou ela.

Então correu em direção à canção até que ouviu um bater de asas, olhou e viu uma enorme borboleta, ela era linda, toda colorida e delicada.

– Olá, Liza, ah, que saudade!

– Como sabe meu nome? Como sabe essa música?

– Sou eu, bobinha, Luna, acabei de sair do meu casulo, tudo em mim mudou, até minha voz!

– Como assim? O que é casulo? Onde conseguiu essas asas coloridas?

– Vou te contar tudo, mas vou fazer isso enquanto damos um passeio pela floresta, vem, suba em mim!

Liza ainda estava desconfiada, mas começou a entender o que estava acontecendo ali. Já tinha ouvido sua mãe contar sobre uma lenda de uma larva que acampava em uma árvore e saia de lá voando. Talvez a lenda fosse verdade.

Ainda relutante, ela subiu na borboleta que saiu voando alegremente pela floresta. Liza estava radiante, tinha reencontrado sua amiga amada e realizava seu maior sonho que era poder voar e ver a floresta do alto. Luna também estava feliz, pois estava na companhia de quem mais gostava, tinha ganhado lindas asas e agora podia também enxergar.

Foi um dia mágico para elas! Elas então juraram de dedinho que nunca mais iriam se separar. 

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