Papê! Papelaria

     O século XVI tinha acabado de começar, aquela manhã estava esplendida, o sol brilhava enquanto uma brisa fresca chegava pelo mar. Aquele parecia ser um dia diferente. Içá recolheu mais algumas conchas na areia para completar seu colar, brincou com alguns caranguejos e já estava voltando quando viu algo apontando no mar que chamou sua atenção. Pensou ser alguma canoa ou jangada, mas era muito grande para ser algo assim. Jogou as conchas e correu de volta à sua tribo para avisar seu pai, o cacique Arosca que estava polindo a ponta de uma flecha.

     – Pai, tem algo muito esquisito lá no mar, está vindo na direção da ilha pequena, você tem que ver aquilo. – Disse Içá ofegante.

    Cacique Arosca largou tudo lá e saiu apressado atrás do filho. Ele sabia que seu filho não se assustava com qualquer coisa, era um guerreiro destemido e, apesar de adolescente, tinha mais coragem que muitos dentre os homens da tribo. Quando chegaram na praia, já conseguiam ver melhor que se tratava de uma gigantesca embarcação. Chamaram todos os guerreiros e ficaram ali aguardando.

     Assim que o navio aportou, ficaram assistindo desconfiados os tripulantes desembarcarem. Alguns homens vieram ao encontro deles, não pareciam hostis. Um deles que dizia ser padre, conseguia entender e se comunicar com eles com certa dificuldade, mas foi o suficiente para fazer a ponte comunicativa entre os índios e os recém-chegados. Aos poucos o receio foi se transformando em curiosidade e logo em seguida em amizade.

    Arosca chamou o capitão Gonneville para conhecer sua tribo. O capitão estava maravilhado com aquele lugar e com as histórias que ouvira, especialmente sobre uma trilha que começava ali perto e atravessava mata adentro até o outro oceano, onde habitava uma civilização rica e inteligente cheia de ouro e prata. Ele até se interessou em explorar essa trilha, que chamavam de Peabiru, mas tinha que voltar para dar satisfação ao rei da França do que tinha achado, além disso, viera em busca de madeira; o ouro ficaria para a próxima viagem.

   Após seis meses, depois de recolherem o que vieram buscar, os viajantes se despediram emocionados daqueles selvagens que os tinham recebido tão bem. Então Gonneville fez uma proposta para Arosca: como gratidão, levaria seu filho Içá com ele, lhe daria treinamento militar na França e na próxima viagem o traria de volta.

     O cacique, orgulhoso do filho inteligente e corajoso que tinha, já podia imaginar o guerreiro imbatível que ele se tornaria se dominasse as armas daqueles homens do velho mundo. Concordou então, mas impôs a condição que um de seus homens de confiança fosse junto e que Gonneville os trouxesse de volta após 20 luas.

   E assim eles zarparam, cheios de novidade para contar sobre os povos que acharam aqui, porém, quando estavam já perto de seu destino, o navio naufragou e apenas alguns deles sobreviveram. Gonneville e Içá, no entanto, chegaram à praia ilesos. Logo foram recebidos pelos locais, que não conseguiam esconder a admiração por aquele integrante exótico que acompanhava a tripulação.

     O tempo passou e Gonneville nunca mais conseguiu uma expedição de volta para cumprir sua promessa. Como forma de se desculpar, deixou todos os seus bens em testamento para Içá, que cresceu por lá e acabou se casando com a filha do capitão, teve filhos e nunca mais voltou. Ele sempre se lembrava de seu pai com carinho. Um dia ficou sabendo de uma expedição que partiria para onde Gonneville tinha estado. Ele não poderia participar, mas conseguiu entregar uma carta a um dos homens da equipe e o fez jurar que entregaria a seu pai.

O cacique Arosca aguardou vinte luas, depois mais vinte e então parou de contar já imaginando que o pior teria acontecido. Nas reuniões da tribo, sempre repetia a história de seu filho corajoso que partira e nunca mais voltara. Um dia, depois de muitas luas se passarem, estava deitado em uma clareira observando as estrelas quando viu a constelação do homem velho se mexendo, parecia que queria lhe dizer algo. Então ele fez um pedido: queria saber se seu filho estava vivo ou morto, para poder ficar em paz. A estrela da cabeça do homem velho parece ter piscado como quem tinha entendido. Alguns dias depois, outro navio aportou por ali. Arosca correu para a praia na esperança de ter notícias de seu querido filho, mas eram homens de um país diferente do de Gonneville, falavam uma língua diferente também. Porém, tinha um dentre eles que conseguia se comunicar como ele, assim como na primeira expedição. Após conversarem sobre assuntos diversos, o cacique contou a história de seu filho e quase não pode crer quando um dos homens lhe entregou uma carta. O cacique não sabia ler e sua língua era apenas falada e não escrita, mas os homens leram e releram para ele que chorou de emoção em cada parágrafo. Nela, seu filho contava tudo o que lhe tinha acontecido, o porquê de não poder voltar e como estava bem e feliz junto com sua família.

O cacique pôde então finalmente dormir tranquilo, sabendo que tudo estava bem, e que seu pequeno guerreiro tinha se saído melhor do que ele tinha imaginado. 

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