Papê! Papelaria

O professor voltou do intervalo com o semblante preocupado sem conseguir conter seu nervosismo:

– Todos de volta ao pátio. O diretor tem um recado para dar.  

Ane guardou novamente seu caderno sob a mesa e se levantou para sair, seu amigo Arthur se aproximou no corredor sem esconder a curiosidade:

– O que será dessa vez? Deve ser algo bem grave!

Nem precisou responder, iam chegando ao pátio e já ouviam o diretor esbravejar:

– Não é nem pelo valor financeiro, ela foi um presente de pai para filho, era uma lembrança, um amuleto, o valor sentimental que tinha essa caneta nenhum dinheiro desse mundo pode pagar. Eu peço que se alguém tenha pegado essa caneta por engano, que me devolva, por favor. Quem souber de algo e puder me informar será generosamente recompensado!

Ane se lembrou de ter visto a caneta furtada em algumas ocasiões em que tinha visitado a diretoria. Ela ficava em uma redoma de vidro, com um pequeno alçapão, lacrado por um cadeado. Ela brilhava e era cravejada com pedras preciosas com detalhes em ouro, deveria valer uma fortuna. Enquanto se lembrava ela olhou para baixo e viu que seu dedão já estava quase a mostra no único tênis que tinha, ela não sabia quando poderia comprar outro, as coisas não estavam nada boas em casa. – Uns com tantos outros com tão pouco, pensou enquanto se lembrava do luxo da caneta.

Ouviu Arthur chamando:

– Ei Ane, você não vai investigar esse sumiço? – Os dois adoravam histórias de detetives.

Ane se animou

– Eu nem tinha pensado, mas esse parece ser um caso perfeito.

Então ela foi conversar com o diretor, que apenas sorriu e ironicamente concordou com a investigação particular. Ela ainda não entendia ironia muito bem e saiu animada da sala.

Duas semanas depois Ane estava de volta a sala do diretor bastante agitada:

– Descobri quem foi e onde está sua caneta. – Disse Ane nervosamente.

– Não creio que descobriu, vamos lá, quem foi o vigarista? – Disse ainda em tom de brincadeira.

– Foi Augusto, o Coordenador!

O diretor se ajeitou na cadeira e ficou sério de repente, olhou bem nos olhos dela e perguntou:

– Como sabe que foi ele?

– Quando vim a sua sala no dia do furto, reparei que o cadeado que prendia o alçapão estava aberto e com leves ranhuras – Começou a explicar – Então olhei em sua lixeira e tinha um clipe de papel partido ao meio com um lado dobrado. – O diretor ouvia incrédulo – Essa é uma forma bem conhecida de se abrir cadeados, se parte o clipe em dois e utiliza um lado para forçar o cilindro enquanto outro abaixa os pinos para “mixar” o miolo do cadeado. Até aí poderia ser qualquer um, mas tinha um detalhe, esse clipe tinha os cantos arredondados, todos os outros clipes da escola têm cantos dobrados, então pensei que poderia ser alguém de fora da escola. Aí acabaram minhas pistas então parti para encontrar outras; pensei: “Onde alguém poderia se esconder e ficar observando até o diretor sair de sua sala”? Então me lembrei da parte externa onde o coordenador costuma fumar seus cigarros no intervalo, de lá ele pode ver parte de sua janela e saber quando você está em sua sala, diretor. Fui até lá no dia seguinte logo pela manhã e vi 3 “bitucas” de cigarro novas na caixa de areia, o que significa que eram todas do mesmo dia e que ele demorou certo tempo por lá – O diretor estava maravilhado, mal conseguia falar. – Então, ele se tornou um suspeito, mas não tinha como ter certeza ainda. Então inventei que tinha perdido meu estojo e entrei na sala dele para perguntar se alguém tinha encontrado, e reparei que sobre a mesa dele tem um porta-canetas com clipes redondos entre os retangulares, esses clipes são bem difíceis de encontrar e eu procurei em outras salas do colégio e não achei em nenhuma. Enquanto conversava com ele, reparei que suas mãos estavam ressecadas e as pontas de seus sapatos tinham respingos de cimento. Perguntei se ele estava fazendo alguma reforma em casa e ele respondeu que não. Então decidi seguir ele até sua casa.

– Impossível, disse o diretor. Ele trabalha faz alguns anos nessa escola e esse sempre foi seu maior mistério. Nunca alguém conseguiu descobrir onde ele mora, já tentamos segui-lo por vários dias, mas a cada dia ele pega um caminho diferente e pega algum taxi, ou ônibus e desce no meio do caminho e pega outro. Ele anda sempre atento e percebe quando está sendo seguido.

 – Sei disso! – Continuou Ane – Por isso segui ele ao contrário!

– Como ao contrário?

– Simples, ele toma cuidado para não ser seguido quando vai embora, mas não faz o mesmo na vinda. Fiquei esperando ele apontar na esquina para saber de onde ele veio, então no dia seguinte fui no local em que ele apareceu e esperei ele aparecer novamente. Levei alguns dias, mas consegui descobrir.

– Genial! – Gritou o diretor. – Mas o que foi fazer na casa dele?

– Procurar sua caneta, oras!

– Você entrou dentro da casa?

– Não, esse era o maior problema. Não podia invadir a casa dele e mesmo com essas pistas, ainda faltava a prova de onde a caneta estava. Se não pudesse provar que a caneta estava com ele, de nada adiantaria. Então fui embora triste pensando que ali terminava minha investigação, mas ao chegar em comecei a pensar em algo que estava me incomodando.

– E o que era? – O diretor não escondia mais sua curiosidade

– Quando cheguei na casa do coordenador, vi que ele tinha um belo jardim enfeitado com alguns bonecos representando a branca de neve e seus anões moldados em concreto. Eles estão pintados de cores vivas, mas já estão um pouco sujos pelos respingos das chuvas. Então contei os anões e tinha 8 anões?

– Quem conta os anões de um jardim?

– Uma detetive perspicaz!

– Mas qual o problema em ser 8?

– A correto são 7 anões! Porque se faria um a mais? Qual a intenção? Teria ganhado de alguém? Não fazia sentido algum! Fiquei pensado nisso até que… Eureka! A resposta estava bem diante dos meus olhos. No dia seguinte voltei lá para confirmar minha tese e realmente um dos anões ainda não estava sujo como os demais.

– Onde você quer chegar?

– Que o coordenador moldou o oitavo anão com a caneta dentro! Ele sabia que caso alguém suspeitasse dele, poderiam revirar sua casa, por isso escondeu onde sabia que ninguém iria procurar. Quem iria procurar dentro de um anão no jardim? Por isso ele estava com as mãos ressecadas e os respingos de cimento no sapato.

     Aquela história parecia muito mirabolante! Mas o diretor tinha gostado da investigação e levou a sério. Mais tarde alguns policiais acompanharam o coordenador até sua casa e pediram para ver seu jardim. O diretor assumiu a responsabilidade de pagar os danos caso quebrasse e não encontrasse nada. Assim que bateram a marreta, o anão se partiu em vários pedaços e um embrulho de borracha caiu. Dentro estava a caneta do diretor. 

     No outro dia o diretor chamou Ane para conversar. Agradeceu e elogiou bastante, ele custava a acreditar em ela tinha resolvido tudo sozinha.

– Que história bizarra! – Arthur falou quando Ane lhe contou os detalhes no intervalo. – Eu jamais teria pensado nisso tudo.

– Os livros que li ajudaram. – Disse ela sorrindo. – Me diverti bastante e ainda recebi uma recompensa e uma bolsa de estudos do diretor.

– Que maravilha! – Disse ele surpreso e emendou: – Me diga uma coisa, qual anão estava duplicado?

– O Dengoso

     Os dois riram. Ane finalmente pode comprar um tênis novo e ainda ajudar em casa. O coordenador sumiu depois disso e nunca mais ouviram falar dele. A casa em que ele morava, hoje é ocupada por outras pessoas que nem fazem ideia de quão valioso já foi seu jardim.

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