Papê! Papelaria

                 – Última rodada, confrades! – Bradou o dono da taverna com seu vozeiro grave e rouco.

                 Todos ali já sabiam que isso significava que era hora de voltar para casa.

                 A noite estava gelada e os homens se amontoavam perto da lareira com suas bebidas tremelicando pelo frio intenso. A música foi desligada e aos poucos as conversas foram diminuindo até emudecerem por completo. O silêncio era tal que podia se ouvir um cão uivando bem longe. Foi então que ouviram passos pesados se aproximando na calçada, a porta se abriu deixando entrar uma corrente de vento gelado que balançou os castiçais tornando difícil identificar, na penumbra, quem ali adentrava. O forasteiro então se aproximou do balcão, tirou seu capuz e sem se importar com os olhares curiosos a sua volta, pediu ao barman:

                – Um escocês puro, sem gelo!

                Ali perto da lamparina, dava para ver um homem de meia idade, com o rosto avermelhado e cheio de marcas de expressão, tinha uma barba farta e cabelos grisalhos. Era alto, aparentava ser bem forte e tinha um sotaque carregado.

                O barman ao contrário dos demais ali, não parecia impressionado com o visitante: 

                – O bar está fechado, estrangeiro.

                – Não é o que parece – Disse o homem enquanto olhava de relance os demais como que para confirmar o que dizia – A porta está aberta e está cheio aqui.

                – O que quero dizer é que já estou guardando as cadeiras e já desliguei a música e servi a última rodada. – Retrucou o barman.

                – Vai negar servir alguém que vem de tão longe? – Perguntou o forasteiro.

                – E de onde vens? – O barman começava a se interessar.

                – Minha garganta está muito seca para conversar.  – Disse o forasteiro, irredutível.

                O barman fez uma expressão de jogador que acaba de perder a mão no pôquer após dobrar a aposta. Deu meia volta e pegou uma garrafa, serviu uma dose e jogou o copo no balcão. O forasteiro bebeu tudo em um gole e sem mexer nenhum músculo da face bateu o copo de volta na mesa:

                – Estou vindo das terras de Zharki. Passei o verão minerando por lá.

                Nessas alturas, quem ainda não tinha se virado para ouvir o forasteiro, acabou se rendendo. Todos estavam curiosos para saber sobre as minas de Zharki. Era perigoso lá, alguns valentões da aldeia tinham ido se aventurar por lá e nunca mais se ouvira sobre eles. Diziam que tribos selvagens habitavam a região e que eram agressivos e intolerante com intrusos. 

                O barman encheu novamente o copo e o forasteiro continuou:

                – Consegui extrair 8 onças de ouro puro. Podia ter conseguido bem mais, mas peguei febre tifoide e acabei perdendo alguns dias de trabalho.

                Os homens ali estavam quase pulando da cadeira; aos poucos foram chegando mais perto enquanto o forasteiro contava histórias e mais histórias de como tinha enganado os selvagens e aprisionado outros, derrotado monstros e destruído gigantes que guardavam a mina. Em certo momento tirou do bolso um anel que brilhou quando passou pela luz, ele mostrou a todos e disse que o tinha feito com parte do ouro que tinha trazido e que o restante estava guardado em lugar seguro.

                Todos ali não conseguiam disfarçar a curiosidade, então começaram a fazer perguntas e até se esqueceram que estavam de saída. Já era madrugada afora quando o forasteiro disse:

                – Estou partindo para lá novamente na próxima semana, caso tenha alguém corajoso o suficiente para arriscar sua vida, me acompanhe, vou precisar de ajudantes dessa vez. Caso alguém não puder ir mas quiser que eu lhe traga algum ouro, vou abrir a oportunidade de poderem investir nessa expedição. Preciso comprar cavalos, ferramentas, armas e apetrechos. Eu não costumo ser bondoso assim, mas gostei de vocês e preciso agradecer por terem me servido uma bebida quente nessa noite fria. Para cada grama de ouro que me derem trarei dez.

                Em poucos minutos o forasteiro encheu sua sacola de moedas, relógios, anéis e toda sorte de objetos de valor que tinham ali, quem não iria querer decuplicar seu dinheiro em tão pouco tempo? Ele anotou o nome de todos em um pedaço de papel, bem como o que cada um tinha dado.

                – Não precisa pagar pela bebida – disse o barman – e pode levar algumas garrafas daqui também.

                O forasteiro pegou tudo e saiu enquanto os homens estavam eufóricos. Eles ficaram por lá até o dia amanhecer e não se falava em outra coisa.

                Os dias se passaram, depois meses, estações, anos e o tal forasteiro nunca mais apareceu.

                Um dia um mercador viajante parou na taverna para descansar e ouviu essa história, então sorriu e disse para o barman:

                – Vocês ficaram tão gananciosos que nem perceberam que se o que ele dizia fosse verdade, ele não precisaria do dinheiro de vocês. Algumas gramas do ouro que ele disse ter extraído já seriam suficientes. A ganância deixa os homens cegos!

                O mercador achou essa uma boa história e escreveu um livro contando ela. Muitos anos depois, Sarah tinha acabado de ler esse livro com sua mãe e disse:

                – Como as pessoas eram inocentes antigamente, não é, mamãe?

                – Sim, muito inocentes – Disse a mãe sorrindo.

                De súbito, porém, congelou. Se lembrou que ainda estava pagando as parcelas de um curso que tinha comprado de um vendedor que tinha lhe convencido que lhe ensinaria fazer seu dinheiro triplicar em um mês; cobrando por isso certa quantia em dinheiro que poderia ser parcelada. Até agora só amargara prejuízos. Sentiu uma pontinha de vergonha e então disse:

                – Na verdade ainda são, Sarah; até hoje em dia…

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